Sobre a irreversibilidade do tempo e as besteiras que os homens fazem: Braid.
Posted: quinta-feira, 29 de julho de 2010 by João. C in Mesas: Dramas, Indie Games, Jogos
Era tarde de domingo quando aconteceu. Ele saindo do banho, toalha cobrindo as pernas, cabelo molhado, andando apressado, remexendo na pilha de roupas ao lado da cama, em busca de uma cueca.
Atrás dele, vinha ela, num mau humor dos infernos, daquele de mulher contrariada:
- Por que você tem de ir pra lá? Passar o resto da tarde trancado numa sala quente, cheia de macho, jogando uns dadinhos... – Mal sabia ela das cervejas e das pizzas que eles levavam sempre. Ele dá de ombros enquanto veste a calça, mas ela continua –... e fingindo que são fadinhas...
Baixinho ele resmunga pra si mesmo - Puta que pariu... – sempre de maneira sutil, como um rinoceronte enfurecido.
- O quê eu preciso fazer preu ter um pouco de sua atenção... de seu tempo? Eu não sou interessante, por acaso? Eu não sou feia, não sou torta, nem caolha... não sou chata... – Nesse momento ele vê nela o ser vivo mais insuportável da face da terra. “Por que eu não posso ir em paz? Por que, por que, POR QUÊ?!?!” ele imagina enquanto ela complementa a lista. – Não sou tapada... Simplesmente não entendo o porquê de você não querer sair comigo.
-Mas é só um sábado! – Ele interfere, em vão.
- Me sinto a mulher mais desprezível do mundo quando você me troca por seus amigos imaginários...
- São bem reais, para sua informação. Grandes amigos e de muitos anos! – A paciência começa a sumir à medida que a discussão começa ficar mais séria. Enquanto veste uma camisa (aquela, do Cannibal Corpse, que ele em veste todas as sessões do grupo de RPG desde 1997) ela retruca, há muito tempo transtornada com o fato dele sempre querer largá-la em casa pra sair pra jogar com os amigos.
- Todos marmanjos desocupados de quase trinta anos de idade, desempregados, que ainda moram com os pais e passam o tempo jogando e colecionando bonequinhos. Sinceramente não sei por que diabos você continua andando com eles. Dá mais atenção pra eles do que pra mim, que sou sua namorada. – Pausa dramática pra criar tensão. – Tem tanto tempo que a gente não faz nada juntos... – e finaliza com um bico.
Ele pega um casaco no armário. Camisa de botão, verde musgo, escura, tecido grosso e surrado. Enquanto termina de se vestir ela se senta na cama e se apóia na bancada, de birra.
- Tem dois dias. – E a paciência dele acaba de ir pras cucuias. Ele procura um cinto pelo chão do quarto – Além disso, já é um compromisso que eu tenho cons cara tem mais de 13 anos! E a gente só joga uma vez por mês...
O silêncio se instala no ambiente. Por um momento tudo para. Até as partículas de poeira esperam por uma resolução do conflito...
- Se você for não precisa me procurar mais! Cansei de ser trocada por essas suas brincadeiras...
-Caralho, MULHER!!! Você é maluca?!?! Tem quase um ano que a gente tá junto e eu fui apenas pra UMA sessão de jogo! UMA!!! Nunca te troquei por nada! E agora cê vem reclamando por que eu quero tirar UM dia pra ir jogar com meus amigos? – Ele a encara nos olhos, mas ela não consegue olhá-lo de volta. No fundo ela sabe que falou besteira. Por alguns instantes tudo fica em silêncio de novo. A respiração dele forte enche o quarto. O sangue subiu-lhe a cabeça. – Quer saber de uma? Cansei de trocar meus amigos por você... acabou! Eu tô indo. Nem pense em me parar.
Ele dá as costas e sai andando, em direção a cozinha. Ela tenta falar algo mais, mas ele não dá ouvidos. Segue em frente. Calça a sandália que tá na porta, aquela Havaianas velha surrada que só se mantém usável por que ele prendeu a tira solta com um prego. Para na porta pra conferir se pegou tudo. Bate as mãos nos bolsos. Tudo lá. Não olha pra trás. Bate a porta e vai embora.
No caminho pra casa do amigo, dentro do busu, ele pensa na besteira que fez... pensou na briga, em como largou ela lá. Por um instante pensou na possibilidade de não ter sido só um erro a atitude de deixá-la, mas também o fato dela ficar sozinha na casa dele... “será que ela não vai quebrar nada num ataque de fúria?” e imaginou ela atirando os CDs dele de Led Zeppelin, o ps2 e tudo mais que ele achava de valor (“minha coleção de quadrinhos”) pela janela... mas esqueceu logo depois. A consciência dele não permitia que ele pensasse em outra coisa se não na merda que fez. E assim veio o arrependimento. Mesmo com toda a briga, toda a discussão infantil – de ambos os lados – e toda a raiva, não conseguia parar de pensar que tinha feito besteira.
Queria voltar e corrigir a merda que fez...
Mas quem nunca teve vontade de corrigir alguma merda? Quem nunca se pegou pensando no que faria se pudesse refazer algum momento importante de sua vida? Eu mesmo vira e mexe me pego pensando nesses momentos... Não teria me embriagado em momentos que não deveria... não teria brigado com alguns amigos, irmãos, nem com algumas namoradas que tive... teria tomado coragem e não teria perdido a oportunidade de conhecer aquela mulher maravilhosa que vi numa festa... todo mundo já passou por isso, não importa se com 20, 30, 40 ou 50 anos. Se com 1000 anos.
Às vezes a gente para pra pensar sobre as escolhas que tomamos, os caminhos que seguimos, os arrependimentos que nós tivemos. Mas lógico que muitas vezes, mesmo com aquela agulhada de arrependimento, nós vemos que nossas escolhas que nos conduziram aos caminhos que nós trilhamos e nos transformaram nas pessoas que somos. Não teria deixado de fazer qualquer uma dessas merdas, pois foram elas que me transformaram no que sou. É como naquele filme, A Dona da Historia. É sobre esses momentos que ele nos faz refletir. Mas o que você faria se você realmente tivesse a possibilidade de voltar? De tentar de novo?
Partindo desse pressuposto é que Braid começa.
Tim é um cara normal, provavelmente como eu e você, caro leitor. Sem nenhum super poder. Sem nenhuma identidade secreta. Sem nenhum talento que o coloque acima de qualquer outra pessoa. E, tal qual eu ou você, Tim tinha um amor. Tim teve um amor. Teve o Amor de uma mulher que o amou de volta. Teve o Amor da Mulher que o amou de volta. Ao contrário do Mario, ele teve o amor da Princesa. Mas Tim é um homem, e como qualquer outro homem, muito provavelmente como eu e você, Tim é um babaca. E como todo babaca ele cometeu alguns erros na vida, e durante o tempo em que esteve com a Princesa, e todos os erros que ele cometeu fizeram com que ele perdesse esse amor.
Depois de uma das diversas brigas que eles tiveram a Princesa o abandonou. Ela fugiu. Mas durante sua fuga, ela foi raptada por um monstro. E agora cabe a Tim salvá-la enquanto tenta consertar a besteira que fez.
Braid pode lembrar a principio muitas das historias que você certamente já cansou de ouvir. Das comédias românticas nojentas sobre como o amor vence quaisquer barreiras aos contos de fadas sobre princesas em torres, guardadas por dragões, a espera dos seus amores ideais. Mas não se deixe enganar. Braid é muito mais profundo que isso.
Pra começar, contrariando a maior parte das historias de amor que você já viu, Braid é contada na forma de um jogo. Um dos maiores expoentes do movimento de jogos independentes (ou jogos Indie, ou Indie Games, como citado por Victor em outro post), Braid ganhou diversas premiações nos maiores eventos de games do mundo e pontuou como um dos melhores do ano de 2008 nos principais sites especializados, como o Gamespot e a IGN. O jogo é uma homenagem a mais clássica das historias de princesas, castelos e dragões, com a jogabilidade remontando imediatamente aos mais clássicos jogos do Mario. Plataforma 2D.
Além de andar para frente e para trás, de pular e de cair, o jogo possui apenas mais um comando. Voltar no tempo. Partindo daquela idéia “o que você faria se tivesse a possibilidade de voltar e corrigir seus erros?” o jogo te dá a habilidade de voltar no tempo para refazer e corrigir qualquer ação que você tenha tomado no passado. A partir do momento em que cada fase inicia, o jogador pode pausar e retroceder a qualquer momento anterior do jogo independente de há quanto tempo isso tenha ocorrido. O jogo é dividido em diversos mundos e, para tonar a experiência mais interessante, em cada um deles o tempo se comporta de uma maneira diferente. Em um, por exemplo, a passagem do tempo não afeta alguns objetos, de forma que independente do quanto você volte ou avance no tempo, eles sempre seguiram em frente com o percurso deles. Em outro, o tempo avança ou retrocede à medida que você anda para frente ou para trás.
O mais importante sobre o tempo, é que ele não é apenas a única arma do arsenal de Tim na tentativa de salvar sua amada e desfazer seu erro. O tempo é o mais importante recurso no desenvolvimento da narrativa do jogo.
Contando com os diversos quebra-cabeças espalhados pelo jogo, resolvíveis apenas com o uso da habilidade de retornar no tempo, e o apoio de alguns textículos (textos pequenos, pessoal... sem maldade, por favor), que contextualizam o jogador quanto ao que houve entre Tim e a princesa, presentes no começo e no fim de cada mundo, o jogo cria metáforas visuais/textuais/joguais (se possível for tratar disso dessa forma) belíssimas. Metáforas sobre o tempo e sobre sua passagem. Sobre ações, erros e mudanças. E não vou falar muito mais sobre isso, senão estrago a surpresa. A surpresa do final. Basta vocês saberem que com essa condução é que Braid apresenta uma conclusão das mais extraordinárias (mesmo que você o antecipe desde a primeira fase), e belas, sobretudo por sua originalidade.
Contando com os diversos quebra-cabeças espalhados pelo jogo, resolvíveis apenas com o uso da habilidade de retornar no tempo, e o apoio de alguns textículos (textos pequenos, pessoal... sem maldade, por favor), que contextualizam o jogador quanto ao que houve entre Tim e a princesa, presentes no começo e no fim de cada mundo, o jogo cria metáforas visuais/textuais/joguais (se possível for tratar disso dessa forma) belíssimas. Metáforas sobre o tempo e sobre sua passagem. Sobre ações, erros e mudanças. E não vou falar muito mais sobre isso, senão estrago a surpresa. A surpresa do final. Basta vocês saberem que com essa condução é que Braid apresenta uma conclusão das mais extraordinárias (mesmo que você o antecipe desde a primeira fase), e belas, sobretudo por sua originalidade.
Mas Braid não é apenas um jogo de historia. Desde o primeiro instante ele te cativa, com seus desenhos fantásticos, sua trilha sonora magnífica e seu ritmo envolvente. O clima criado pelo trabalho de arte faz com que o jogo realmente te transporte para dentro do jogo e sinta o ambiente onírico que o envolve. Tudo no jogo é muito bem trabalhado. Dos fundos com cara de pinturas de guaches e aquarela aos personagens. Todo o trabalho desenvolvido de forma espetacular em resolução HD.
E pra pontuar com o golpe final: um jogo acessível pela sua leveza. Braid não exige mais do que um Pentium 4 de 1.4 GHz, 768 MB de RAM e míseros 200 MB de espaço de HD. Qualquer micro com menos de cinco anos roda. E roda bem.
Vale a pena conferir esse jogo que sem dúvida é um dos grandes marcos da historia do vídeo-game e do movimento Indie de jogos (que para quem não conhece, deverá ser um dos próximos tópicos aqui nas nossas cervejas).
E pra pontuar com o golpe final: um jogo acessível pela sua leveza. Braid não exige mais do que um Pentium 4 de 1.4 GHz, 768 MB de RAM e míseros 200 MB de espaço de HD. Qualquer micro com menos de cinco anos roda. E roda bem.
Vale a pena conferir esse jogo que sem dúvida é um dos grandes marcos da historia do vídeo-game e do movimento Indie de jogos (que para quem não conhece, deverá ser um dos próximos tópicos aqui nas nossas cervejas).
Ôpa! Autor novo aqui no blog? Tudo bem, João?
Olha essa história de jogo que lembra Mário me recordou uma música: "Rock do Game Over": http://multishow.globo.com/Geleia-do-Rock/Videos/_1296627.shtml
Acho que vale a pena conferir.
=D