Rio, voando como flamingos no Pão de Açucar
Posted: sábado, 9 de abril de 2011 by Victor Carvalho in Mesas: Animação, Filmes
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Confesso que quando vi o primeiro trailer de Rio, fiquei um pouco apreensivo. Em poucos minutos eu vi bundas, praia e pessoas com pouca roupa... Visões estrangeiras do Brasil nunca deram muito certo (alguém ainda lembra de Turistas ou do famoso episódio dos Simpsons?). Mas não sei até que ponto a culpa não é nossa. Talvez seja essa a imagem que passamos do nosso país, do nosso povo. Como queremos ser respeitados se enaltecemos esse “jeitinho brasileiro” como se fosse algo bom? Como queremos não ser chamados de macacos se agimos como tais? É, meus amigos, talvez o macaco precise olhar um pouco para o rabo. Mas divagações à parte, fiquei tranqüilo quando soube que o diretor e escritor era Carlos Saldanha. O filme, de certa forma, é um pouco autobiográfico. Saldanha saiu da sua cidade natal, o Rio de Janeiro, em 1992 para tentar alçar seu sonho nos Estados Unidos. No filme, Blu é uma arara azul que, assim como Saldanha, sai do Rio de Janeiro para o país do hamburguer (e não é que nós também criamos estereótipos de fora?).
Contudo, Blu cresceu preso, domesticado. Mas em seu mundinho limitado, ele era feliz. Feliz como o escravo que não sabe que é escravo. Blu vivia em uma gaiola criada por si mesmo. Ele era seu único limite e empecilho. A nossa arara azul é um pássaro que não sabe voar. E é nessa metáfora do voar que o filme sustenta toda a sua jornada de auto-conhecimento. Blu tenta utilizar sua a inteligência, tão fria quanto Minnesota, a cidade em que vive, para alçar os céus. Mas logo ele descobre não ser o bastante. Para voar, Blu precisa encontrar seu coração, tão quente quanto o Rio. Ele precisa encontrar o ritmo do seu coração (e, por óbvio, é bastante insinuado que o ritmo é o samba). Tentar voar com a cabeça é inútil. Apenas voam aqueles que o fazem com o coração. E essa é a superioridade da arte sobre a ciência. Você lembra melhor da fórmula de física que aprendeu no segundo grau ou do que sentiu quando ouviu uma bela música de Chico Buarque?
A ciência é fria e exata. Cheia de fórmulas, pode ser reproduzida por qualquer um. A arte não, a arte é única e não pode nunca ser reproduzida. A cópia de um quadro de Salvador Dali é só a cópia de um quadro de Salvador Dali. A idéia de arte é justamente não ter regras. Ninguém consegue voar utilizando fórmulas, regras e conceitos. Não importa o que você faça. Os melhores textos foram escritos pelo coração, sem formas. As melhores pinturas foram pintadas pelo coração. E Rio foi um filme feito com o coração. Talvez Saldanha tenha perdido a mão um pouco, disso não posso negar. Afinal, colocar flamingos voadores no Brasil é um tanto quanto complicado, não é, Carlos?
Entretanto, Nota-se uma adoração nostálgica de Saldanha durante todo o filme. Vários dos elementos da cultura popular brasileira estão presentes. Sim, cultura popular. Ou você vai negar que boa parte do país espera o Carnaval e para de trabalhar em jogo da seleção canarinha? O verde e amarelo é algo constante. Flamingos voadores à parte, há camisas da seleção, blocos de carnaval, desfiles de escolas de samba, bolas de futebol e, claro, jogo da amarelinha. Estereótipos? Claro. Visão coca-cola do Brasil? Não tiro sua razão, amigo. Mas Rio, na verdade, é um tributo de Saldanha à sua terra natal, seu país, sua cidade. Um tributo com flamingos voadores, mas ainda um tributo. A trilha sonora, que conta com a produção executiva de Sérgio Mendes é simplesmente sensacional. Ele mistura elementos do samba carioca com a música americana e até mesmo o batuque de Carlinhos Brown. Rio é Saldanha gritando que tem orgulho de ser brasileiro, apesar dos flamingos voadores.
O filme peca por ser estereotipado demais? Não diria que é um pecado. Afinal, estamos falando de animação. O objetivo não é questionar a sociedade (embora, nesse caso, como eu falei acima, você o acaba fazendo). O objetivo é o riso, a felicidade, a imaginação. Divertir-se. Afinal, cinema é para isso, não é? O mundo seria tão mais triste se não tivéssemos nossa imaginação para deixá-lo melhor. Parafraseando Bukowski: a arte é o que deixa a vida suportável. Haverá quem diga que Rio é um filme na medida para turista ver. Eu não discordo. De fato, é. Mas Rio também é um tributo à cidade maravilhosa. E mais uma vez repito: um tributo com flamingos voadores, mas um tributo... Fico feliz que, como seu personagem principal, Carlos Saldanha tenha alçado vôo e, junto com ele, seu sonho. De certa forma é uma mensagem positiva para todos que ainda planejam voar. Mas que a mensagem fique: para voar, meus amigos, você tem que sentir. E já dizia Fernando Pessoa: “sentir? Sinta quem lê”. Aqui eu digo: sentir? Sinta quem vê e quem faz.