Elephant, Realengo e o dedo que mostra a lua

Posted: quarta-feira, 13 de abril de 2011 by Victor Carvalho in Mesas: ,
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Escrevo para não matar. A princípio não entendi a força dessa frase, ou melhor: a força desse pensamento. Li-o em um escrito da jornalista Eliane Brum. Afirmara ela que já havia entrevistado muitos escritores e que vários disseram isso quando perguntados sobre o motivo de escrever. O texto? Era sobre um velho (sim, velho... não nos escondamos em eufemismos, por favor) que tentava atravessar um corredor do shopping enquanto pessoas riam de sua situação.  Interessante como não somos capazes de perceber que fazemos vítimas todos os dias, que matamos pessoas todos os dias. Teoria do caos. O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tufão no Oriente. Por que ir tão longe? Uma simples ofensa pode causar um dos mais lamentáveis massacres da história brasileira. Ação e reação. Em sete de abril de 2011 um país aprendeu sobre a terceira lei de Newton fora das salas de aula. Ou deveria ter aprendido.

Em razão do massacre, todo mundo recomeçou a discutir a questão do desarmamento. Por que quanto mais nos apontam a lua, mais nós olhamos para o dedo? Dessa vez olhamos para o dedo que apertou o gatilho. Mas não percebemos que o verdadeiro dedo que atira é o nosso. O meu, o seu, o de todos nós. Você mata quando trata mal o porteiro do seu prédio. Você mata quando ignora a existência de um pedinte na rua (negue o dinheiro, mas nunca, nunca o ignore). Você mata quando ri do velhinho que tenta atravessar o corredor do shopping. Você mata quando xinga, ri, exclui, deprecia e apelida um colega de escola, faculdade ou trabalho. O garoto que dá um tapa na cara do coleguinha hoje é o que bate em um homossexual no metrô mais tarde. O garoto que chuta o colega gordo é o que queima o mendigo mais tarde. Infelizmente, o garoto que sofre também pode ser o garoto que faz sofrer. É o desejo do oprimido em virar opressor. É como o escravo que vira senhorio em Memórias Póstumas de Brás Cubas

Columbine, Estados Unidos, 1999. Longe, não é? Tanto no espaço quanto no tempo. Nesse dia, 12 pessoas também morreram. Doze, assim como em Realengo, no Brasil, em 2011. Doze? Não, não foram doze que morreram naquele dia. Por que não contamos com a morte de Wellington? Talvez seja porque saibamos que, no fundo, nós já o havíamos matado, assim como já havíamos matado aqueles dois garotos que causaram o massacre em Columbine. Há 8 anos, em 2003, com o belíssimo filme Elefante (Elephant), Gus Van Sant tentou nos mostrar a lua. Mas ignoramos seu aviso, continuamos a olhar para o dedo.  Pensamos que aquilo era coisa de americano, maluco. E continuamos nosso massacre do dia-a-dia. Demorou para a borboleta causar um tufão, mas aconteceu.

Não entendo porque culpamos tanto as armas, porque colocamos essa culpa em um fator externo. Não entendo se somos cínicos, cegos ou covardes mesmo. Covardes porque não queremos carregar tantas mortes em nossos ombros. As mortes das crianças de Columbine, as mortes das crianças de Realengo, as mortes diárias que fazemos sem perceber. Um copo só pode encher até o limite em que transborda. Não adianta proibirmos a venda de armas. Não adianta também criarmos uma super política de segurança pública. Nada disso adianta se não mudarmos. Quando vamos perceber que nunca iremos parar um tufão por cortar as asas de uma borboleta? “E a vida já não é mais vida. E no caos ninguém é cidadão. As promessas foram esquecidas. Não há estado, não há mais nação. Perdido em números de guerra. Rezando por dias de paz”. É, meu caro Hebert Viana, não canso de dizer que temos muito ainda a aprender com os poetas, os músicos, os artistas. São eles que nos mostram a lua. Tão próxima e ao mesmo tempo tão longe. Agora eu entendo porque escrevo. Escrevo para não matar. Escrevo para canalizar a raiva que sinto das injustiças. Escrevo para não cometer uma injustiça. Escrevo para evitar que o copo transborde. Escrevo para impedir o tufão. Escrevo para tentar ver a lua. Escrevo para não morrer. Escrevo para não matar. E você, o que faz para não matar?

15 comentários:

  1. William says:

    Ótimo texto! Falou tudo o que venho pensando sempre!

  1. Bruna Léo says:

    Lindo texto! Sempre vi esse filme como referência para demonstrar que outros pontos de vista devem ser sim analisados. É exatamente o que dizem, você nunca pode entender a totalidade do "elefante" se você tocar apenas a tromba ou a cauda dele de olhos vendados.
    Meus parabéns!
    ps.: Nem preciso comentar que esta muito bem escrito também...

  1. Anônimo says:

    O que eu faço para não matar?
    E ler textos iguais ao seu.

  1. Muito bem seu texto. Eu também escrevo para não matar.

  1. Anônimo says:

    Belíssimo texto.

  1. Eu já fiz muita coisa pra não fazer algo maior. O que será preciso acontecer pra que tudo mude ou melhore?

  1. Rafaela says:

    CARALHO!
    Não encontra-se mais blogs onde as pessoas escrevam tão bem e prendam a gente de tal forma.
    Parabéns, pelo blog foda (que eu vou salvar nos favoritos e apreciá-lo com toda calma que eu me permito, rs.)...
    Agora, eu precisava comentar alguma coisa!




    O post ficou incrível!
    É difícil ser sensato com uma tragédia como a de Realengo, e você foi...queria ter um pouco mais de calma, a culpa não foi só dele, FATO, mas........fosse como fosse, nada justificaria o que ele fez.
    Meu irmão sofreu preconceito sério no tempo da escola, amigos meus...e hoje estão aí, fortes..(uns com um eterno complexo, mas...ainda assim..são fortes.)
    Nada justifica!
    Queria que ele tivesse usado essa cabeça dele, e não tivesse feito o que fez.


    Adorei seu texto.
    Adorei seu blog.
    Parabéns..ganhou mais uma seguidora! :)

  1. Anônimo says:

    A partir de agora e pela primeira vez faço um comentário em blogs:
    para não enlouquecer, para não matar, eu escrevo, eu leio, eu choro,eu bebo e brindo à você! Salute!

  1. Anônimo says:

    recomendo ler este texto escutando Firework - Katy Perry rsrs
    muito bom o texto

  1. Anônimo says:

    Simplesmente adorei o blog. Recomendo seu blog, postarei o link em outros lugares. Pois você falou muitas verdades,coisas que ando pensando, desde desse massacre no Rio de Janeiro.

    Ja sofri muito nos meus tempos de escola ... E a parece que cada vez mais as pessoas estão gostando de humilhar uma as outras, os mais fracos ou os que parecem fraco. Mas nada justifica resolver isso matando um ao outro, como o cara fez ... enfim ...

    Adorei o blog².

  1. Anônimo says:

    Elephant é o filme mais famoso desse caso. Mas Polytechnique é o filme que mais se aproximou do caso.

  1. Vitor Batista says:

    Esse William deve pensar umas coisas interessantes não ?

  1. Anônimo says:

    Desculpa ser a voz dissonante aqui, mas não concordo com o seu posicionamento. Não me entenda mal, o seu texto está muito bem escrito; discordo, porém, da idéia central.
    Penso ser muito fácil criticar a sociedade e dizer que todos nós estamos fazendo errado, mas me pergunto: não seria ainda pior viver na ditadura do policamente correto? Querer que o bulling não ocorra nas escolas é mascarar a realidade social em que estamos inseridos. O mundo é um lugar cruel onde as pessoas são julgadas o tempo todo. Vivemos na sociedade do vencedor, onde para ser bem sucedido é necessário ser forte e aprender a lidar com os problemas da vida, não evita-los. Em verdade, evitar que ocorra o bulling nas escolas é apenas criar um mundo ficcional, uma bolha protetiva onde tudo é lindo e maravilhoso, levando as crianças/jovens à pensarem que ninguém nunca vai julga-las ou colocar-las para baixo, para depois joga-las em uma sociedade extremamente preconceituosa e competitiva, criando um choque ainda maior.
    Quanto aos argumentos que dizem respeito a mudar a sociedade como um todo, creio que isso passa por uma questão muito mais complexa do ponto de vista econômico-social, não cabendo aqui uma discussão a respeito do tema. Por isso, parto da premissa de que a sociedade se quedara imutável, ao menos por um bom tempo.
    Em face desses argumentos, creio que o que precisa ser feito em relação ao bulling é ensinar as crianças/jovens a lidarem com ele de maneira inteligente e tranquila, e não evitar e punir o seu aparecimento.

  1. Anônimo, eu discordo de tudo que disse com uma veemência tão grande que você nem imagina. Mas não gosto de discutir com rostos que não posso ver. Aquele abraço.

Nota

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