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sexta-feira, 18 de junho de 2010
by Victor Carvalho in
Mesas:
Obituário
Havia passado o dia todo fora de casa hoje e quando chego sou albarroado com a fria notícia do G1: "Morre, aos 87 anos, o escritor português José Saramago". A matéria? Fria, objetiva, rápida... faz um pequeníssimo apanhado de quem foi Saramago e suas obras mais famosas... como manda o figurino, como se aprende na faculdade de jornalismo... posso estar errado, mas aposto que quem escreveu essa matéria nunca leu um livro dele. Ou ao menos não gosta de seus livros (o que é uma pena... para essa pessoa). Não consigo deixar de me impressionar em como alguém consegue ser tão frio com a morte de um dos maiores escritores de todos os tempos.
É uma morte que me atinge pessoalmente, que dói de verdade, como a morte de um parente querido. Vai ser muito estranho de agora em diante não ficar todo ano pensando: "qual vai ser o novo livro de Saramago?" Eu já havia falado aqui de seu último livro: Caim. E de fato, agora, o último livro escrito por ele. Um gênio, um revolucionário, um verdadeiro subversor das regras: cristãs, gramaticais, senso comum. Acima de tudo um crítico da vida e do ser humano... Um homem que dizia que não queria convencer ninguém, pois isso seria um desrespeito. Um português que dizia que convencer é colonizar. Sempre afiada, sua mente nunca estava satisfeita. Mas continuar a falar sobre isso ainda seria tão frio quanto aquele jornalista do G1. Não estaria falando de nada mais do que todos já estão falando e a maioria já sabe. Nada digno de Saramago. Nada digno de alguém que uma vez escreveu sobre como seria ruim se as pessoas deixassem de morrer. Alguém que um dia escreveu que sem ela (e aqui não falo de sua presença, mas do seu acontecimento mesmo), viver seria insuportável. E esse alguém finalmente a encontrou. Não era inesperado, mas não por isso menos doloroso.
Estranho como a morte de alguém que você nunca conheceu pode te causar tamanha tristeza. Engana-se quem diz que a morte do Nobel português foi uma perda para a humanidade. Ela foi uma perda para cada um de nós enquanto indivíduo, enquanto ser humano. Cada um de nós ficou um pouco mais cego hoje. Mas não uma cegueira branca. Aquela velha cegueira da escuridão, em nossas mentes e em nossos corações. A cada livro que lia do mestre, eu crescia um pouco mais enquanto pessoa e olhava o mundo com outros olhos. Olhos com os quais não mais poderei ver. Os olhos de Saramago, únicos olhos de Saramago que não mais irão se abrir. Talvez seja bom. É chegada a hora de andar com os próprios pés. Não mais se apoiar na sua visão, mas usá-la como um trampolim para a minha própria. E dessa cegueira de escuridão poderemos chegar um dia à cegueira branca. Pois, no fim, somos todos cegos. Ou talvez, apenas estejamos todos cegos, como diria Saramago. Cegos para nós mesmos e para o próximo. Apesar de tudo, ainda acho que ele não concordaria comigo, como Saramago dizia:
Nem a arte nem a literatura têm de nos dar lições de moral. Somos nós que temos de nos salvar, e isso só é possível com uma postura de cidadania ética, ainda que isto possa soar antigo e anacrónico
É chegada a hora então de andar com os próprios pés. Talvez sua morte seja isso, a liberdade. Aprendi o que tinha que aprender. Aprendemos o que tínhamos que aprender. Mas a dor fica.
No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.
"Não creio que haja maior respeito que chorar por alguém que não se conheceu". Se então é assim, Saramago, fica aqui o meu singelo, rápido, simples, porém não frio respeito.
5
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Muito bom o post man.
bom mesmo.