VIP's. Quem "Será" você?
Posted: sexta-feira, 25 de março de 2011 by Victor Carvalho in Mesas: Dramas, Filmes, NacionalWagner Moura tem se consagrado como um dos maiores atores nacionais, principalmente após a sua migração para o Cinema em 2007 (à exceção da minissérie Som & Fúria, em 2009). Embora tenha participado de bons filmes anteriormente, foi no ano de 2007, com Ó, Paí, ó e Tropa de Elite que o ator começou a ganhar o prestígio do grande público. Desde então ele vem crescendo em seus papéis. É notória a diferença entre o Capitão Nascimento e o Secretário Nascimento. O personagem cresceu, o ator cresceu e o filme também. Costumo falar que o primeiro Tropa de Elite é como um adolescente de 16 anos: eufórico, promissor, mas ainda ingênuo e um pouco infantil. Já no segundo filme, a história atinge a sua maturidade, mostrando seu verdadeiro potencial, e, conseqüentemente, o do seu ator principal. E um ano depois, em VIP’s, o ator baiano, formado em jornalismo pela UFBa, prova que ele consegue, e nesse filme de forma metalingüística, o objetivo maior do atuar: ser um camaleão.
Nosce te ipsum. Conhece-te a ti mesmo. A advertência fincada em pedra na entrada para o Oráculo de Delfos, na Antiga Grécia. “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”. Quem sou eu? Essa deve ter sido a pergunta mais feita ao Oráculo e talvez em toda a história da humanidade, desde Sócrates. É o início do existencialismo. E VIP’s é um filme existencialista até a última ponta. Ou o último rolo de filme. A história começa mostrando a adolescência de Marcelo Nascimento da Rocha (interpretado por uma divertida versão emo de Wagner Moura). Já nas primeiras cenas, quando Marcelo imita um colega em sala, percebemos uma ausência de identidade do personagem. Marcelo, Denis, Carrera, Juliano de Souza, Henrique Constantino... ele é muitos e ao mesmo tempo ele não é ninguém.
O que faz você ser você? Seu nome? Sua imagem? Sua reputação? Seu corpo? Sua essência? “A existência precede e governa a essência”, alertava Sartre na frase que se tornou a pedra base do existencialismo. É a diferença ontico-ontológica de Heidegger. “Onti-quem, rapaz”? Calma, é mais simples do que parece. É a diferença entre o “ente” e o “ser”. O “ente” seria a sua representação material, enquanto o “ser” é a sua concepção. Por exemplo, Pamela Anderson não deixou de ser Pamela Anderson porque ela colocou silicone. O “ente” pode ter mudado, mas o “ser” é o mesmo. Contudo, Pamela é diferente de Marcelo. A mudança do seu “ser” é sempre acompanhada de uma radical mudança do seu “ente”. Quando ele se torna piloto do tráfico, perguntam o nome dele, Marcelo vê um Porsche e responde: Carrera. Algum tempo depois ele pinta seu cabelo de loiro e passa a usar um boné com o nome Carrera estampado. A partir desse momento, ele passou a ser Carrera, não mais Marcelo.
Tempos mais tarde, quando ele corta o cabelo, ele se torna Henrique Constantino, filho do dono da Gol. "Quem é você?" Em todo o momento o personagem se debate com essa pergunta em sua jornada. Uma jornada tipicamente existencialista. Quando adolescente, ele foge de casa, ele foge do meio que o identifica, para se descobrir. Ele sai de si para se encontrar. Ainda quando adolescente, Marcelo tem uma certa reverência pela tradição oriental, que é a verdadeira fonte dos primeiros pensadores do existencialismo moderno. Um homem não pode se banhar duas vezes no mesmo rio. O homem já não é mais o mesmo homem e o rio já não é mais o mesmo rio. Esse é um velho ensinamento budista. O filme é cheio de simbolismos, como a cena em que Carrera, sempre muito narcisista, deixa de existir. É impossível não recordar a figura mitológica de Narciso quando seu boné cai no lago. Enquanto Henrique Constantino, ele vai para o Carnaval de Recife, um Carnaval conhecido por suas fantasias, suas máscaras. É o momento do ano no qual você pode ser quem quiser.
Há um certo simbolismo também no sonho do menino Marcelo: ser piloto, voar. “Torna-te quem tu és!”, gritara Nietzsche. Talvez, nesse ponto do filme você sinta o peso do eco da voz de sua mãe: “você precisa ser alguém na vida, menino”. Mas o que vai me tornar alguém? O que eu preciso fazer para poder voar? “Será só imaginação?/ Será que nada vai acontecer?/ Será que é tudo isso em vão?/ Será que vamos conseguir vencer?”, canta Carrera, interpretando a belíssima canção do eterno Renato Russo. Percebemos que, na verdade, ele não canta. Ele te pergunta: será? Você se pergunta: será? O filme não responde. Mas será que existe resposta? Será? Agora já foi.
Será que a sociedade não é formada por pessoas que carregam suas "performances" pra cima e pra baixo? Digo, será que cada um não "interpreta" um pouco o papel que a sociedade lhe dá e que o indivíduo ajuda a criar, com maior ou menor liberdade criativa, tal como o ator improvisa o texto do dramaturgo?
Sempre me lembro do que um dos meus professores fala a respeito de "O Impostor" do Pânico na TV: um cara bem vestido e ladino entra em qualquer lugar.
Isso talvez mostre como a sociedade dá excessiva importância ao "ter". O cara coloca uma roupa elegante, se diz filho de empresário e pronto! Virou VIP!
Sei que o que acabei de escrever é lugar-comum, mas esse mundo das colunas sociais também não é? E não é com maior intensidade ainda?