A Partida, Caronte e a beleza na morte

Posted: domingo, 24 de abril de 2011 by Victor Carvalho in Mesas: ,
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Okuribito (nome original do filme) não é uma palavra muito comum no vocabulário japonês. Ela é usada para representar aquele que envia as pessoas para longe. Algo como o barqueiro Caronte, que transportava as pessoas pelo rio de águas paradas em tempos remotos, quando a mitologia parecia mais factível. Os céticos acreditam em uma não continuação, uma morte niilista. Os cristãos acreditam em céu ou inferno para a alma daquele que se foi. Os espíritas, talvez influenciados pelos budistas (e esses, por sua vez, pelos hindus), acreditam em um ciclo, uma continuação. Eu prefiro acreditar que Caronte me espera. Não importa a forma com que você encara o que acontece depois. De certo modo, é só uma forma de você tentar aliviar o peso do fim. Ou seria de um novo começo? Fim, começo... é fato que o rio de águas paradas terá que um dia ser atravessado por todos nós. Deveríamos agradecer por isso, não temer. Olhando o outro lado da moeda, não estamos a viver mais e mais a cada dia, mas a morrer mais e mais a cada dia. E isso é bom. Sempre tive pena dos deuses, obrigados a seguir infinitamente, sem descanso. Ser mortal, em verdade, foi um presente, uma dádiva.

Em português, o filme se chama A Partida. Difícil é saber de que partida ele realmente fala. Daigo Kobayashi (Masahiro Motoki) é um cellista recentemente desempregado. Daigo persegue um sonho que nunca foi seu. O enorme instrumento de notas graves é um peso em seus ombros. De certa forma ele já encontrou a única forma da morte que devemos temer: aquela que vem antes mesmo de fecharmos nossos olhos pela eternidade. Daigo, então, decide partir. Ele decide voltar à sua cidade natal, no interior, onde ele tem que conviver com outra partida: a de seu pai, que o abandonou quando criança. Lá ele se torna um nokanshi, um emprego aceito por poucos. Nokanshi é o nome dado àquele que, ritualisticamente, prepara o corpo dos mortos para o funeral. Um ritual tão belo e harmonioso que nos faz questionar se a morte é algo tão ruim quanto acreditamos ser. E é justamente ao olhar em seus olhos que Daigo reencontra sua vontade de viver. 

Eu entendo a imensa tristeza de perder alguém que amamos. Mas também entendo que essa nossa atitude é egoísta. Quando choramos a morte de alguém, não estamos chorando pela pessoa, mas por nós mesmos. Choramos por dar de cara com a maior certeza que temos: a certeza do fim, a certeza da partida. Mas, principalmente, choramos por sabermos que não mais teremos a acolhedora presença da pessoa amada. Choramos pela ausência de seus abraços, de seus beijos e de seu olhar. Não choramos por ela, mas por nós mesmos. É difícil, eu sei, mas é necessário entendermos que a partida é necessária. Assim como disse Montesquieu, não devemos chorar quando as pessoas morrem, mas quando elas nascem. Acredito que a vida é que deveria ser representada com um capuz preto e uma foice. “E, ao meditar, então, na paz da Morte,/ Vereis, talvez, como é suave a sorte/ Daqueles que deixaram de sofrer”, afirmara Pedro Homem de Mello, poeta português. Saramago, outro português, também nos mostrou o quão dolorosa seria uma vida eterna. Ambos já se encontraram com o objeto de sua poesia. Quando for a minha vez de entregar as moedas ao barqueiro, o farei com um sorriso no rosto. O difícil será manter esse mesmo sorriso ao fornecer tais moedas a alguém que amo. Será que se pode sorrir e chorar ao mesmo tempo? É... no fim, acho que serei sempre um egoísta. Montesquieu, Pedro, Saramago... entender, eu entendo. O difícil é deixar de sentir.

4 comentários:

  1. Anônimo says:

    O filme é fantástico! você descreveu exatamente o que pensei quando terminei de assistir. Com certeza qem assiste e pensa diferente disso, irá pensar muito... Nunca tinha pensado na morte como uma viajem, ou como uma coisa bonita. Depois do filme, encaro sim a morte uma eterna viajem. O ritual do filme, demonstra acima de tudo respeito e carinho pelo morto. Muitas vezes ficam até mais bonitos do que vivos... enquanto isso não acontece, vamos viver cada segundo da vida com intensidade. Respeito e carinho temos que da principalmente em vida. Que Deus te dê muitos anos de vida para você continuar escrevendo e transmitindo tão bem os seus pensamentos. Parabéns!!!

  1. Anônimo says:

    vale a pena assistir

  1. Anônimo says:

    Bom demais esse filmes...ótima dica. Abraco!

  1. Anônimo says:

    Enquanto em muitos lugares do mundo há um desrespeito total com os mortos como nas guerras por exemplo, esse filme veio para resgatar o valor da memória dos entes queridos.

    Esse excelente filme, ultrapassou as barreiras do idioma,cultura e distância para enriquecer quem quer que o assista.

    Não deixem de assistir!

    ONE

Nota

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