Heartless, quanto mais escuro, mais se vê

Posted: quinta-feira, 1 de julho de 2010 by Victor Carvalho in Mesas: , ,
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Eu adoro a arte de garimpar coisas. Seja um filme, livro, revista ou banda. Na maioria das vezes não dá certo, você acaba vendo algo muito ruim e a sensação de perda de tempo te domina. Mas é o risco. E talvez seja esse risco que deixa o ato tão mais interessante. E o que realmente vale a pena na arte de garimpar é, claro, encontrar aquela pepita de ouro perdida em meio a tantas pedras. Outro bom aspecto é o fato de que você vai, por exemplo, assistir ao filme completamente “no escuro”, sem qualquer informação sobre ele. Tudo é novo, tudo é interessante, tudo é diferente. Você não sabe o que tá acontecendo. É como se fechasse os olhos e se deixasse levar pela experiência. Realmente vale a pena. Existem coisas fora do grande circuito que são geniais. Heartless é uma delas. E justamente para preservar esse sentimento de descoberta, eu vou tentar falar o mínimo da história do filme aqui. A graça de Heartless (em uma tradução livre seria algo como “Sem Coração”) é justamente o fato de você ir descobrindo o filme aos poucos. Ele vai gradualmente revelando seus mistérios. Tente não olhar a duração do filme também. Não sei se foi apenas impressão minha, mas toda hora eu achava que o filme estava perto do seu final para logo descobrir que eu estava completamente enganado. Ele foi escrito e dirigido pelo inglês Phillip Ridley e foi o grande vencedor do Fantasporto 2010 (o mesmo festival de cinema fantástico em que Solomon Kane venceu como indicação do público) e desde seu lançamento, em 21 de maio desse ano, já ganhou 9 prêmios (tanto de melhor roteiro, quanto melhor filme e melhor diretor).

Ridley teve a idéia para o filme enquanto tirava fotos de East End, em Londres. East End é uma área histórica de Londres que ficava ao leste e fora das muralhas da Londres Medieval (por isso East End). Durante o boom populacional do fim do século 19, essa área ficou lotada de pessoas pobres e imigrantes. Com o passar dos séculos, essa parte de Londres virou uma espécie de sinônimo para criminalidade, pobreza, superpopulação e doença... Durante a Segunda Guerra Mundial, ela foi intensamente devastada, fazendo com que a sua população debandasse para outros locais. Com o fim da Guerra, iniciou-se um processo de revitalização, mudando muito a face de East End. Contudo, ela ainda conta com uma boa parte da pobreza londrina... E por que diabos eu resolvi contar a história desse lugar? Porque ele é um personagem importante no filme. A idéia de pobreza, gangues, prostitutas, decadência está presente durante todo o tempo. Muitas histórias na literatura e no cinema são ambientadas em East End (O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde é um exemplo) e não o são por acaso. O local toma vida no filme, é uma parte importante dele.

Além das fotos de East London, Phillip, à época, estava trabalhando com jovens com transtorno bipolar, o que o ajudou a criar o personagem principal do filme, Jamie Morgan. Jamie é interpretado por Jim Sturgess (ele foi Jude, do ótimo Across The Universe). Sturgess está simplesmente genial. A prova disso foi que ele ganhou o prêmio de melhor ator no Fantasporto 2010. Ele convence muito interpretando o ora depressivo, ora confiante Jamie. Segundo Ridley, Jim foi a escolha perfeita, unindo tanto um grande ator quanto um grande astro. Mas ele não é o único a dar show. Todos os atores estão muito bem. Desde o primeiro momento em que você vê Noel Clarke (ele fez Doghouse) interpretando A.J., logo na primeira cena, pelo seu olhar, você percebe que ele sabe de algo importante, que ele vai ser uma peça chave. E cara... Joseph Mawle, como Papa B, só sua presença já causa medo no espectador. Atores no máximo de sua interpretação, isso é algo que só um grande diretor consegue extrair.

Pincelando um pouco a história, Jamie é um garoto que possui uma deformidade. Ele nasceu com várias marcas pelo corpo, entre elas, uma em formato de coração no rosto. E o simbolismo do coração está presente em todo o filme. Desde o título à "missão" entregue a Jamie pelo Papa B. Nas paredes das ruas, na trama romântica e, principalmente, na interpretação geral do filme. Jamie é um fotógrafo à moda antiga, ainda usa filme, nada de câmera digital. Ao revelar uma de suas fotos, ele encontra o que seria a imagem de um demônio. Ao mesmo tempo, uma gangue de encapuzados com máscaras queima pessoas inocentes na rua com coquetel Molotov. Convencido de que eles são os demônios que viu na foto, Jamie parte em busca de descobrir a verdade sobre eles... ou talvez sobre si mesmo... Simbologia é o que mais se encontra na história de Heartless. Temos o mito da fênix, o renascimento pelo fogo, águas de purificação, troca de pele... Obviamente inspirado na obra Fausto, de Goethe, e já comparado a O Labirinto do Fauno (El Laberinto Del Fauno) e Doonie Darko, a fotografia do filme também reflete o interior de seu personagem principal, variando entre claro e escuro a depender do seu humor. O final é um pouco óbvio, mas é como diz Lisbela: “o importante não é o que acontece, mas como acontece”.

3 comentários:

  1. Unknown says:

    Boa resenha, o filme parece ser bem interessante. Gostei da interface do blog.

  1. Davi says:

    Onde você consegue garimpar esses filmes?

    Abraço, Victão!

  1. Ra_cherry says:

    Que bacana! Vou atrás desse filme! Adoro esse gênero!

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