O Ritual e a necessidade de antíteses

Posted: quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011 by Victor Carvalho in Mesas: , ,
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O Ritual (The Rite) é um filme quase barroco, cravado em antíteses e metáforas, mas sem os exageros clássicos desse estilo artístico. É interessante falar de clássico quando se fala de Barroco. O estilo é marcado por uma antítese em si mesmo: vontade de trazer o estilo pagão clássico do Renascimento ao mesmo tempo em que a forte cultura cristã tenta afastá-lo. E a maior parte do filme ocorre justamente no berço de todos esses movimentos artísticos: a Itália. A premissa de O Ritual não é muito inovadora. Michael Kovak (Colin O'Donoghue) é um garoto criado no fim do século XX e início do século XXI. Um mundo pós-moderno, líquido, fluído, incerto. Muito diferente do mundo de certezas em que seu pai viveu. Um mundo em que tudo parecia previsível, um mundo em que era mais fácil acreditar em algo que não se pode provar. Entretanto, como o próprio Michael diz: em sua família só existem dois caminhos: virar agente funerário ou padre. E nesse ponto começam as antíteses do filme. Ser aquele que prepara o corpo humano após a morte ou aquele que prepara a mente humana para a vida?

Como uma tentativa de fugir de casa, Michael resolve fazer o seminário para ser padre. Contudo, ele tinha o mesmo objetivo de Bentinho em Dom Casmurro: não passar no teste e assim poder seguir sua vida. Mas como o próprio mundo em que vive, seu futuro era coberto de incertezas e ele é enviado para a Itália com o objetivo de fazer o famoso (e real) curso de exorcismo do Vaticano. O Ritual é um filme de busca da fé. Nessa busca, nós temos o velho embate. A velha, cansativa e clichê antítese entre ciência e religião. E no centro disso tudo, a busca pela verdade. A busca pelo certo em um mundo dominado pelo Princípio de Heisenberg. A explicação psicológica do exorcismo contra sua explicação religiosa. Qual dessas representa a verdade? No meio desse turbilhão, Michael conhece o Padre Lucas (Anthony Hopkins, pela primeira vez em muito tempo me fazendo esquecer que ele é Hannibal), um dos mais famosos e não ortodoxos exorcistas italianos, e Angeline (Alice Braga), uma jornalista em busca da... verdade. Mas a questão é: existe verdade? Ou melhor, ainda existe verdade? Ciência, religião, psicologia, mitologia. Não é tudo isso apenas uma interpretação da realidade? A "verdade" é superestimada. E mais uma vez o filme se enrola em antíteses: é em busca da verdade que você pode encontrar a dúvida, a fé. A fé, que nada mais é que a certeza na dúvida. Não apenas a fé em um deus, mas a fé em si mesmo.

O filme também é marcado pela eterna luta entre o bem e mal. Mas ao mesmo tempo em que eles lutam, tentam se destruir, eles coexistem. Não há bem sem o mal. Não há vida sem a morte. Não há prazer sem dor. Não existe a certeza sem a dúvida. Exatamente como Brás Crubas, na belíssima obra de Machado de Assis: “Então considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da Terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar”. O Yng precisa do Yang. O Ritual mostra tudo isso, mas sem recorrer aos clichês do gênero: cabeças giratórias, camisolas brancas e sopas de ervilha, como diria o próprio Padre Lucas. Um dos méritos do filme é não se esconder em demonstrações gráficas para assustar. O demônio é uma própria metáfora dentro do filme, aparecendo somente enquanto metáfora, no terreno mais fértil para elas florescerem: os sonhos.

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